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Lídia Nascimento
Manuel Nascimento

Lídia Nascimento

Manuel Nascimento

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São uma equipa, quando iniciaram a recolha de lixo marinho o que os motivou a iniciar este vosso projeto?

Somos dois cidadãos comuns, casados há 25 anos, e apanhamos lixo marinho juntos desde essa altura. O que nos motivou a apanhar lixo, foi termos a consciência de que esse lixo era mau para o meio ambiente, destruindo habitats e matando animais marinhos. O projeto Mar à Deriva não é uma associação, é apenas uma página no Facebook e no Instagram, onde partilhamos o lixo que encontramos, para dar a conhecer às outras pessoas este flagelo que está a destruir ecossistemas. O Mar à Deriva foi criado em abril de 2019, pois passámos a encontrar muito mais lixo do que anteriormente, ou seja, todas as marés passaram a deixar lixo nos areais e nas rochas. Apesar de não sermos uma associação, somos reconhecidos pela Fundação Oceano Azul, como uma organização informal e fazemos parte da Convenção das Organizações por um Oceano Limpo (COOL).


Em que setor do litoral desenvolvem a vossa prática de catadores de lixo marinho?

Uma vez que moramos junto ao mar, em Santa Cruz, Torres Vedras, é mais habitual apanharmos lixo marinho nesta zona, ou seja, entre Santa Cruz e a Nazaré. No entanto, quando vamos a outras zonas do nosso litoral, também apanhamos lixo.


Só recolhem lixo em terra ou já fizeram recolha aquática?

Só recolhemos lixo na costa (areias e zonas rochosas), uma vez que não temos equipamento de mergulho e atualmente já não praticamos essa atividade.


Com que regularidade fazem a recolha de lixo marinho?

Recolhemos lixo marinho sempre que vamos à praia. Uma vez que moramos junto ao mar, vamos à praia quase todos os dias.


Qual foi o vosso máximo na recolha quantidade /tempo?

O máximo, em termos de peso, que apanhámos foi 1.180 kg, ao longo de 5 horas, mas habitualmente nunca abaixo de 100 kg.


Que categorias de lixo marinho recolhem?

Mais de 90% do lixo marinho que recolhemos são restos de artes de pesca. Todo esse material é em plástico, sejam cabos de pesca, boias, esferovite, etc. Também apanhamos algum lixo doméstico, como garrafas, cotonetes, tampas, etc., no entanto, muito desse lixo doméstico é deitado borda fora pelos barcos.


Qual os resíduos /objetos mais estranhos que já recolheram?

Partes de carros, uma embalagem com cápsulas de cloroquina, brindes (bonecos) dos gelados Rajá, dos anos 1960 e 1970, e bastante lixo dos anos 1980. No entanto, todo o lixo é “estranho”, pois não pertence ao meio ambiente onde se encontra.


Sabemos que com as correntes /tempestades dispersam os resíduos pelos oceanos e costas de tudo o mundo, que resíduos já recolheram com origem em outros continentes?

Restos de armadilhas e braçadeiras da pesca da lagosta, provenientes dos EUA e do Canadá (vêm a navegar através do giro do Atlântico Norte). Embalagens da Turquia, Indonésia e Japão, no entanto este lixo não vem com as correntes do sítio de origem, sendo deitado fora por barcos.


Conseguem mencionar quais os resíduos mais antigos que recolheram?

Uma garrafa da água de Luso – ainda não sabemos ao certo o ano de origem, mas provavelmente terá cerca de 80 anos. Os brindes dos gelados Rajá, que são dos anos 1960, 1970. Copos de iogurte e outras embalagens de 1986, praticamente intactas.


No litoral português, quais as zonas onde ocorre mais lixo marinho?

Centro e Norte, devido às correntes.


Qual o vosso sentimento depois de uma jornada a recolher lixo marinho?

Inicialmente sentimo-nos impotentes e desesperados, quando terminamos sentimos um misto de tristeza e sentimento de dever cumprido.


Dos contactos que estabelecem ou por informação de algum estudo, quantas pessoas, em Portugal, fazem um trabalho igual ao vosso?

Existem dezenas ou mais de uma centena de associações ligadas a este tema, no entanto, a nível de ação no terreno, são poucas as que efetivamente fazem um trabalho regular.


A recolha de lixo marinho por cidadãos é uma prática que se verifica noutros países, contactam com pessoas de outros países e que atividades fazem em comum?

Sim, através do Instagram temos contacto com cidadãos de outros países que recolhem lixo de forma regular (não só no mar, mas também em florestas, campos, etc.), e que nos enviam fotos do lixo que recolheram. Também temos contacto com uma associação em Espanha, a Coge3, cujo fundador é nosso amigo, o Óscar Garcia Alonso, que foi um grande impulsionador deste movimento e conseguiu chegar às massas através de um documentário sobre este tema, o “White Waves” (vale a pena ver).


Vinte anos a realizar esta atividade em prol do ambiente, como se tem modificado a situação do lixo marinho?

Tem vindo a piorar e nos últimos tempos de forma catastrófica. Enquanto que durante muitos anos aparecia lixo de vez em quando, a seguir a uma tempestade, por exemplo, atualmente aparece lixo todos os dias e em maior quantidade.


Na conta do instagram mar_a_deriva , têm muitos seguidores como explicam esta adesão?

Até termos encontrado o lixo dos anos 1980, só conseguíamos chegar às pessoas que já tinham consciência deste problema. Quando encontrámos e publicámos o lixo dos anos 1980 tudo mudou, pois houve interesse por parte da comunicação social e de algumas pessoas famosas, que partilharam a nossa publicação. A seguir a isso o número de seguidores subiu em flecha.


Que mensagem gostariam de transmitir às gerações mais jovens sobre este assunto do lixo marinho?

Em primeiro lugar queríamos pedir desculpa às gerações mais novas, pois foi a nossa geração que, inconscientemente, causou este desastre. Temos esperança que consigam fazer melhor do que nós, pois agora já se tem consciência deste problema. É necessário o envolvimento de todos, tanto cidadãos comuns, como decisores, quer políticos, quer empresariais. É necessário tentar evitar a utilização de plástico descartável e reutilizar tudo o que for possível. O grande chavão para os jovens será a economia circular.