Somos dois cidadãos comuns, casados há 25 anos, e apanhamos lixo marinho juntos desde essa altura. O que nos motivou a apanhar lixo, foi termos a consciência de que esse lixo era mau para o meio ambiente, destruindo habitats e matando animais marinhos. O projeto Mar à Deriva não é uma associação, é apenas uma página no Facebook e no Instagram, onde partilhamos o lixo que encontramos, para dar a conhecer às outras pessoas este flagelo que está a destruir ecossistemas. O Mar à Deriva foi criado em abril de 2019, pois passámos a encontrar muito mais lixo do que anteriormente, ou seja, todas as marés passaram a deixar lixo nos areais e nas rochas. Apesar de não sermos uma associação, somos reconhecidos pela Fundação Oceano Azul, como uma organização informal e fazemos parte da Convenção das Organizações por um Oceano Limpo (COOL).
Uma vez que moramos junto ao mar, em Santa Cruz, Torres Vedras, é mais habitual apanharmos lixo marinho nesta zona, ou seja, entre Santa Cruz e a Nazaré. No entanto, quando vamos a outras zonas do nosso litoral, também apanhamos lixo.
Só recolhemos lixo na costa (areias e zonas rochosas), uma vez que não temos equipamento de mergulho e atualmente já não praticamos essa atividade.
Recolhemos lixo marinho sempre que vamos à praia. Uma vez que moramos junto ao mar, vamos à praia quase todos os dias.
O máximo, em termos de peso, que apanhámos foi 1.180 kg, ao longo de 5 horas, mas habitualmente nunca abaixo de 100 kg.
Mais de 90% do lixo marinho que recolhemos são restos de artes de pesca. Todo esse material é em plástico, sejam cabos de pesca, boias, esferovite, etc. Também apanhamos algum lixo doméstico, como garrafas, cotonetes, tampas, etc., no entanto, muito desse lixo doméstico é deitado borda fora pelos barcos.
Partes de carros, uma embalagem com cápsulas de cloroquina, brindes (bonecos) dos gelados Rajá, dos anos 1960 e 1970, e bastante lixo dos anos 1980. No entanto, todo o lixo é “estranho”, pois não pertence ao meio ambiente onde se encontra.
Restos de armadilhas e braçadeiras da pesca da lagosta, provenientes dos EUA e do Canadá (vêm a navegar através do giro do Atlântico Norte). Embalagens da Turquia, Indonésia e Japão, no entanto este lixo não vem com as correntes do sítio de origem, sendo deitado fora por barcos.
Uma garrafa da água de Luso – ainda não sabemos ao certo o ano de origem, mas provavelmente terá cerca de 80 anos. Os brindes dos gelados Rajá, que são dos anos 1960, 1970. Copos de iogurte e outras embalagens de 1986, praticamente intactas.
Centro e Norte, devido às correntes.
Inicialmente sentimo-nos impotentes e desesperados, quando terminamos sentimos um misto de tristeza e sentimento de dever cumprido.
Existem dezenas ou mais de uma centena de associações ligadas a este tema, no entanto, a nível de ação no terreno, são poucas as que efetivamente fazem um trabalho regular.
Sim, através do Instagram temos contacto com cidadãos de outros países que recolhem lixo de forma regular (não só no mar, mas também em florestas, campos, etc.), e que nos enviam fotos do lixo que recolheram. Também temos contacto com uma associação em Espanha, a Coge3, cujo fundador é nosso amigo, o Óscar Garcia Alonso, que foi um grande impulsionador deste movimento e conseguiu chegar às massas através de um documentário sobre este tema, o “White Waves” (vale a pena ver).
Tem vindo a piorar e nos últimos tempos de forma catastrófica. Enquanto que durante muitos anos aparecia lixo de vez em quando, a seguir a uma tempestade, por exemplo, atualmente aparece lixo todos os dias e em maior quantidade.
Até termos encontrado o lixo dos anos 1980, só conseguíamos chegar às pessoas que já tinham consciência deste problema. Quando encontrámos e publicámos o lixo dos anos 1980 tudo mudou, pois houve interesse por parte da comunicação social e de algumas pessoas famosas, que partilharam a nossa publicação. A seguir a isso o número de seguidores subiu em flecha.
Em primeiro lugar queríamos pedir desculpa às gerações mais novas, pois foi a nossa geração que, inconscientemente, causou este desastre. Temos esperança que consigam fazer melhor do que nós, pois agora já se tem consciência deste problema. É necessário o envolvimento de todos, tanto cidadãos comuns, como decisores, quer políticos, quer empresariais. É necessário tentar evitar a utilização de plástico descartável e reutilizar tudo o que for possível. O grande chavão para os jovens será a economia circular.